Reconhecido recentemente como patrimônio cultural brasileiro, o choro reafirma sua importância na identidade musical do país e ganha força com maior representatividade feminina
Em 23 de abril, o Brasil celebra o Dia Nacional do Choro — data escolhida por marcar o nascimento de Alfredo da Rocha Vianna Filho, o eterno Pixinguinha. Mais do que uma homenagem a um de seus maiores mestres, a data é um marco simbólico do reconhecimento de um dos gêneros mais ricos da música popular brasileira.
Para a professora de Música, Paola Picherzky, da Faculdade Santa Marcelina, a celebração é também um reflexo do crescente respeito institucional pelo choro: “Esse reconhecimento foi se desenvolvendo e, em fevereiro de 2024, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) declarou o choro patrimônio cultural brasileiro”, destaca.
A medida, segundo ela, abre portas para políticas públicas que promovam o gênero nas escolas, criem editais específicos e estimulem sua presença no dia a dia cultural do país. “Cada vez mais os músicos, artistas e o próprio gênero estão sendo contemplados e trazidos à luz”, diz Paola.
A alma urbana da música brasileira
O choro, explica a professora, tem raízes profundas na história musical do Brasil. Surgido no século XIX, inicialmente como um modo de interpretar gêneros europeus, logo desenvolveu características próprias: melodias rebuscadas, harmonias elaboradas e instrumentações marcantes — com destaque para o violão, cavaquinho, flauta e bandolim. “Acho que o choro é uma identidade da urbanização, porque mistura gêneros europeus com as bagagens musicais do interior trazidas para as cidades, criando um sabor muito especial”, reflete.
Durante as décadas de 1920 e 1930, consolidou-se como gênero musical nos programas de rádio e em formações conhecidas como "regionais de choro". No entanto, a chegada do rock e da televisão nos anos 1950, seguida pela bossa nova nos anos 1960, tiraram o choro dos holofotes. “Mas ele voltou com força nos anos 1980 e 1990 com uma geração de músicos excepcionais”, lembra.
Ampliação, não evolução
Quando questionada sobre como o choro se transformou ao longo dos anos, Paola prefere o termo “ampliação” a “evolução”. “O choro não está mais apenas nas rodas, ele está nas escolas de música, nas universidades, e como objeto de pesquisa. Ganhou novas formações instrumentais, novas sonoridades e públicos”, aponta.
Um dos fenômenos mais marcantes desta nova fase é o protagonismo feminino no gênero. Paola, fundadora de um grupo de choro exclusivamente feminino em 1995, lembra que, à época, eram raríssimas as instrumentistas mulheres no choro. Hoje, o cenário é outro: “Temos grupos permanentes compostos só por mulheres. O choro, nesse sentido, também é um espaço que une gerações e promove a inclusão.”
Desafios e caminhos
Mesmo com o reconhecimento recente e as transformações positivas, o choro ainda enfrenta grandes desafios. “O maior deles é garantir políticas públicas consistentes que incluam o gênero na educação e no mercado cultural. É preciso equilibrar a preservação da memória com a renovação artística”, afirma Paola.
Ela também faz um apelo por maior visibilidade às mulheres do choro: “A sociedade precisa atuar com responsabilidade, reconhecendo e dando luz aos grupos femininos”.
De Chiquinha a Choronas
Quando o assunto é legado, Paola lista os pilares do choro: Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros e Pixinguinha. Em seguida, nomes como Jacó do Bandolim e Raphael Rabello mantiveram viva a essência do gênero. Mas ela faz questão de destacar artistas contemporâneos, como o pianista Hércules Gomes, com seu trabalho sobre Tia Amélia, e várias “choronas” que vêm ganhando espaço: “Grupo Das Três, Vanessa Dourado, Choro Delas (do Nordeste), o Trio que Chora, Coletivo de Mulheres do Choro de SP e o Choro da Quitanda. Vale a pena conhecer todos eles”, finaliza.