Em Yale, Anielle Franco relata aumento da violência política desde 2018

Ministra Anielle Franco perqunta: "Quem vai cuidar das mulheres negras?"

São Paulo, maio de 2023 – Mulheres, especialistas em políticas públicas, discutiram os desafios e possíveis soluções para combater a violência de gênero no ambiente virtual na América Latina e Caribe, durante a quarta sessão do Gender & Policy Forum, evento realizado pela Universidade de Yale, na tarde da última sexta-feira (5).

A ministra da Igualdade Racial do Brasil, Anielle Franco, que participou do evento online, chamou a atenção para a violência política de gênero e raça que atinge as mulheres na América Latina e no Brasil, sobretudo as mulheres negras, especialmente aquelas que buscam ingressar em espaços de decisão ou as que já ocupam esses lugares. Com base em pesquisa realizada pelo Instituto Marielle Franco, a ministra apresentou dados que mostram que oito em cada dez candidatas ao pleito eleitoral de 2020 sofreram violência política no ambiente virtual, com comentários de cunho machista ou racista nas redes ou em aplicativos de mensagem.

“Conseguimos demonstrar que quase 100% das candidatas negras ao pleito eleitoral de 2020 que responderam a pesquisa sofreram mais de um tipo de violência. Encontramos sete tipos de violência, entre elas insultadas, ou foram ofendidas, ou humilhadas. A principal violência apontada pelas mulheres negras foi a virtual, o que mais chocou, pois estávamos e pandemia, e representou 80% dos ataques sofridos pelas mulheres”, afirmou.

Ainda com os dados da pesquisa, Anielle acrescentou que em 62% dos casos a violência praticada contra as mulheres negras foi de âmbito imoral ou psicológico e que 50% foram vítimas de violência praticadas por instituições ou agentes públicos ou privados. “A violência política se transforma em uma ferramenta eficaz utilizada para interditar corpos e impedir o debate sobre temas que por muitos anos não estiveram presentes na ordem do dia em defesa do interesse de uma maioria hegemônica nos postos de poder”, disse. “Quando falamos de agentes públicos estamos falando de pessoas que estavam concorrendo também em sua grande maioria em partidos opostos ao dessas mulheres e que as insultavam para que desistissem da sua candidatura”, completa.

Anielle afirmou que a violência política no ambiente virtual vem crescendo desde 2018 e em especial contra as mulheres negras. “Nosso sistema político é majoritariamente composto por homens brancos, hétero e cis, e que quando enxergam as mulheres negras nos espaços de decisão simplesmente ignoram a existência delas na política. É importante reforçar que a estrutura da violência política é racista e patriarcal”, reforçou a ministra.

Ela relembrou que até o final do ano passado esteve à frente do Instituto Marielle Franco, criado pela sua família após a morte de sua irmã, a ex-vereadora Marielle Franco, eleita com mais de 45 mil votos, e que foi brutalmente assassinada com tiros em março de 2018, após participar de um evento sobre a participação feminina na política. Anielle afirmou que Marielle se tornou um símbolo da violência política extrema existente no Brasil, já que foi assassinada após sair de uma agenda sobre o futuro das mulheres na política.

De acordo com a ministra, a violência política contra as mulheres negras só terminará a partir de políticas públicas e leis concretas para proteger a vida de mulheres negras e trans. Ela afirmou que o ministério da Igualdade racial tem algumas iniciativas em parceria com o ministério dos direitos humanos e com o ministério das mulheres para enfrentar esse diagnóstico que é tão cruel. “Estamos trabalhando para a prevenção da violência, seja no âmbito virtual ou não. Precisamos contemplar as necessidades que temos aqui no Brasil para que possamos trabalhar em parceria com outros países. Temos no ministério diversos tipos de denúncias e tentamos atuar com os acordos bilaterais para atender essas denúncias. As políticas públicas precisam chegar nos municípios e expandir para que possam alcançar outros países também”, avalia.

Anielle falou sobre a importância da troca coletiva entre os países. “Estamos em contato com parlamentares negras e com mulheres negras que fazem política ao redor do mundo, como a vice-presidente da Colômbia, e que tem cada vez mais nos relatado problemas. Estivemos em contato com parlamentares negras em Portugal e em Espanha e todas nos relatam a violência política em seus países”, diz.

Anielle lembrou que as mudanças culturais de valores precisam passar pela educação de crianças e jovens para que aconteçam. “A mudança cultural de valores é importante para que se possa entender que a mulher não é um objeto e que isso deve ser trabalhado com meninos e meninas. Temos quatro anos de mandato e esperamos deixar um legado com menos violência digital, menos feminicídio e menos violência”, concluiu.

Além da ministra brasileira, participaram Silke Mayra Arndt, defensora pública de Buenos Aires, e a pesquisadora Silvana Leiva, com a mediação de Tamara Martínez, Coordenadora de Igualdade de Gênero da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM).

Silvana Leiva, discorreu sobre “Violência baseada em gênero na internet, na América Latina: desafios na conceituação e medição formuladores de políticas”.

Silvana, que pesquisa a violência digital, disse que faltam legislação, marco regulatório e políticas públicas para inibir os casos de violências na América Latina. As principais vítimas, segundo ela, são mulheres com perfil público.

“As vítimas preferem não denunciar e decidem apagar seu perfil nas redes sociais para não sofrer. Essa é uma problemática pública que ainda não está sendo resolvida. Esse cenário vai na contramão de outros países que possuem leis e políticas públicas voltadas para inibir a violência digital”, acrescentou.

Para a pesquisadora, ainda é um desafio saber como acontece a violência digital.  Ela acrescentou que a situação é agravada pela carência de recursos disponíveis para esse tipo de pesquisa e avalia que deveria ser uma responsabilidade do governo. “Nesse caso, fica difícil ampliar a amostragem e diagnosticar outros pontos de violência digital”, pondera.

A Defensora Pública da Cidade de Buenos Aires, Silke Mayra Arndt, informou que na Argentina, por exemplo, existem projetos de lei em discussão que tiveram origem em casos de violência digital. No país também existe uma área de proteção de dados digitais que trabalha para inibir os casos de violência, além de campanhas de conscientização para jovens sobre os impactos de violência digital. Além de advogados disponíveis para ajudar as vítimas.

Silke concorda com a falta de recursos e de apoio do Estado nesse tema e disse que é necessário continuar trabalhando para avançar nessa temática, incluindo a violência política nas redes. “Os resultados demonstram que na política as mulheres acabam sendo as principais vítimas de violência digital (uma forma de silenciá-las)”, refletiu.

A Defensora Pública sugeriu ainda a inclusão dessa temática em políticas de Estado, para que seja possível avançar nos diagnósticos.  "A lei precisa alcançar os desenvolvimentos tecnológicos".

Anielle encerrou sua participação com um questionamento: "Quem vai cuidar das mulheres negras?”

O debate foi organizado entre o Conselho de Estudos Latino-Americanos e Ibéricos (CLAIS) do MacMillan Center, instituto dedicado ao estudo de relações internacionais, e o Women Faculty Forum (WFF). Ambas as instituições estão ligadas à Universidade de Yale.

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